quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Hoje a caneca que você me deu quebrou

 All good things, they say, never last. 


... and love, it isn’t love, until it’s past. 

sábado, 25 de abril de 2020

Mr. Blue

Você me indaga o sentido de tudo isso. Eu digo, objetivamente, que não sei. 

Ninguém lhe prepara ou aconselha sobre como crescer. Ninguém lhe conta que a vida é diferente dos filmes e séries que assistimos e, ainda assim, consegue surpreendentemente imitá-los. Ninguém lhe avisa que um único dia pode trazer consigo uma verdadeira montanha russa de emoções que você nunca sabe onde pode terminar. Ninguém lhe diz que as lágrimas de pontos finais tem esse gosto sem nome, permeadas de tristeza e de que isso é só a vida seguindo seu curso, sem grandes mistificações. 
Ninguém comenta sobre o silêncio nas janelas, entrecortado pelo som do isqueiro acendendo mais um cigarro (e lá se vai mais meio maço no dia). Ninguém lhe dá o caminho das pedras de como driblar o conservadorismo, a raiva, o tédio. Ninguém lhe ensina a manter a sanidade mental e a como lidar com as pressões cotidianas, com os prazos, com a insensatez alheia, com sua família. Ninguém menciona as linhas tênues entre o choro e o riso, entre o descaso e a esperança e nem a enfrentar pandemias. 
Ninguém lhe indica como curar um coração partido, nem o que fazer com os pedaços que sobraram depois que a tempestade passou ou como encontrar o caminho de volta e amar de novo. 

Você olha ao redor e todos estampam a mesma dúvida na face. Perguntar resultaria inútil, pois a estrada deles é customizada para eles e você tem a sua para trilhar. Só sei que existe uma única direção e é pra frente. 

Mas já que me questionou como é, eu lhe diria que é passageiro como uma nuvem, terrível como a solidão, bonito como um arco-íris, intenso como as paixões que lhe tomam de assalto e com o permanente gosto agridoce da saudade. 

Viu? Eu disse que não adiantava perguntar. Mas, como tudo na vida, valeu a tentativa. 

domingo, 24 de março de 2019

Sobre Isauras

"A Isaura caminhou a sentir-se assim, perplexa e vazia, como se não fosse ninguém, apenas a encantada percepção do que há no mundo. Caminhou até ao extremo da praia, onde o areal se reduzia um pouco e as casas humildes dos pescadores chegavam mais às ondas, arregaçadas pelos troncos de árvore. Foi quando se sentou e descalçou os pés. O sol nas suas costas era já uma generosidade grande e não havia mais ninguém. Não havia ninguém. A Isaura disse: eu pensava que o amor era bom.

Tão estranho que depois de tanto tempo e tanta espera pudesse pensar no amor. Amanhecera vazia, sem ninguém dentro de si mesma, e foi como se encheu com a ideia de afinal ser impossível esquecer o amor. Porque o amor era espera e ela, sem mais nada, apenas esperava. A Isaura sabia que amava alguém por vir, amava uma abstração de alguém no futuro. Ela esperava o futuro, e esperar já era um modo de amar. Esperar era amar. Certamente, amava de um modo impossível o futuro. Disse: eu pensava que o amor era bom. E chorou sem qualquer convulsão porque aceitou chorar. Aceitou chorar.

Havia muito que não o fazia. Talvez tivesse percebido que a natureza era, toda ela, uma expressão exuberante e que manifestar os seus sentimentos seria uma participação ínfima nessa honestidade do mundo. Talvez tivesse percebido que usava de honestidade consigo mesma pela primeira vez em muitos anos. Disse: estou sozinha. E repetiu: estou sozinha. Desatou a falar como se não suportasse mais a boca fechada.

Era uma mulher carregada de ausência e silêncios. Para dentro da Isaura era um sem fim e um pouco do que continha lhe servia para a felicidade. Para dentro da Isaura a Isaura caía."

O filho de mil homens, p. 59

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Coisas indizíveis

Das saudades que tive, você foi e ainda é, a mais longa.

quarta-feira, 14 de março de 2018

A reinvenção do céu

"Acabei com tudo
Escapei com vida
Tive as roupas e os sonhos rasgados na minha saída..."

Ressignifiquei todas as coisas e já não sou mais quem eu era. Não por uma escolha consciente, mas pela própria necessidade de se manter vivo e em movimento para não se entregar à autocomiseração. Dei novo significado a perfumes, aos gostos, às palavras como amor próprio e sobre encontrar seu lugar no mundo. Lugar ao mundo que, claro, ainda continuo buscando.

Revisitei meus demônios, minhas lembranças, minhas inseguranças, as ruas que eu passava distraído, as comidas que eu gostava, os cortes de cabelo, minhas relações familiares, minhas amizades, meu trabalho e meu sentido de propósito.

Fui para longe não para fugir, mas para encontrar. E, num banco de trem, sem que tivesse consciência ou que se fosse feito alarde, alguma coisa crescia em mim, como que construída por essas reflexões velozes e passageiras. Vesti duas camisetas suas, já imbuídas do meus próprios significados, como forma de me sentir bem nessa nova pele que agora habito, num misto de curiosidade e surpresa sobre quem eu seria e o que encontraria no final.

Durante muito tempo, como escrito naquele livro infantil, busquei a parte que faltava em mim sem me dar conta de que nunca estaremos completos. De que sempre vai faltar algo e que nunca será o outro a preencher esse algo. De que é a maneira como olhamos que deve mudar ou pereceremos para sempre no limbo da insatisfação.

Eu disse certa vez que me desperdiçava e talvez essa não fosse a palavra correta. Mas acertei quando disse que é somente espalhando amor pelos lugares é que fazemos multiplicá-lo em nossos corações.

Sigo em frente, carregando comigo minhas imperfeições, meus medos e inseguranças, mas meu sorriso, meus acertos e meu eu mais genuíno.

Sigo desviando das admoestações mil, sem saber ao certo o que encontrarei no fim. Contudo, no afã das incertezas cotidianas e já no clima intimista que crio com você, leitor desavisado e desconhecido, confesso que ainda espero encontrar a praça na beira do mar, num pedaço de qualquer lugar, debaixo do céu azul do dia branco que sempre permeou meus sonhos de completude.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Reminiscências (ou um sonho curto de saudade)

reminiscência
substantivo feminino

  1. imagem lembrada do passado; o que se conserva na memória.

  2. lembrança vaga ou incompleta.
     
    Estávamos na avenida paulista e você, apressado, não me via. Eu, que havia estacionado o carro que eu não tenho em lugar indevido, tive que retirar e lhe perdi de vista. 

    Voltei desolado para a rua e, num virar de esquinas, você me surpreende e, manhoso, me beija com saudade, receio e doçura.

    Afasto-me lentamente de você e olho seu rosto de maneira estudada. Estamos mais velhos, sem dúvida, mas ainda senti o amor de outrora ao mirar esses seus olhos lindos mais uma vez. 
     
    Acordei com o rosto lavado, sem saber se da chuva incessante que caía lá fora,  do salgado do mar das nossas muitas praias ou se das lágrimas que prenunciavam a nossa maneira de dizer adeus.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Born Slippy (1996)

Meus dedos tremem e mal conseguem escrever a verborragia que irrompe no meu peito e às vezes acho que vão me faltar as palavras para descrever o nó sem fim que esses últimos 30 dias foram em minha vida.

Desfiz-me em sorrisos que não eram meus, em festas que não faziam sentido, na fumaça tóxica dos meus muitos cigarros, afoguei-me em incontáveis cervejas e outras drogas na esperança de que, de alguma forma, atenuassem a dor.

Agora, desde que vi seus olhos lindos pela última vez, finalmente deixo as lágrimas correrem face abaixo e permito a entrada da tristeza que represei tão habilmente dentro de mim.

Estou perdido nos acordes e pela batida eletrônica dos anos 90 que dão título a esse texto e que só me fazem lembrar você. Perdido porque, entre uma nota e outra, está escondido, sorrateiro, todo o sentimento que sinto, todo o amor que não foi e a certeza de que eu, sem subterfúgios nem truques, terei que encarar de cabeça erguida a amarga companhia da saudade, mas sem saber que rumo tomar.

Enquanto a música toca, pensei em todos os anos em que não estive com você, mas que me atrevi a imaginar como tinham sido. Imaginei sua inocência quando, na pré-escola, confessou à colega que gostava mais dos meninos do que das meninas, sua timidez e excitação nas baladas da década de 90, a primeira vez que você viu Trainspotting, suas fogueiras no acampamento dos escoteiros e para onde iam seus sonhos e pensamentos enquanto tentava dormir na barraca.

Imaginei como eu gostaria de ter sido seu amigo e companheiro das muitas aventuras que você descreveu e talvez resida aí o maior dos meus devaneios: ousar sonhar um espaço na sua vida que nunca me pertenceu. mas que sempre acalentou minhas fantasias.

Agora, já não no plano dos delírios, voltamos à realidade sabendo que seremos ecos na vida um do outro, ecos esses que o tempo se encarregará de tornar mais desbotados e, com sorte, até indolores. Por isso hoje comecei a árdua tarefa de guardar as fotos na sua pasta para não ter mais que olhar todos os dias, para aceitar que não terei mais seus desejos de boa noite, seus comentários cotidianos, sua voz, seu cheiro e o som da sua risada.

E ao invés de mágoa, meu coração se encheu do mesmo amor pelo menino-homem doce que, sem esforço, me ganhou, soube extrair o melhor de mim e me reinventou todos os dias. Peço então que não acredite em mim quando, por uma auto-defesa mal formulada desse meu coração que mais parece raio e trovão, eu digo que não acredito que foi amor.

Você se diz covarde, mas eu discordo: é preciso coragem para dar os presentes tão lindos que você me deu, como sua doçura, seu cuidado, sua honestidade, seu tempo e seu carinho. E eu não poderia ter tido sorte maior de conhecer alguém que mostrou que o amor é real, possível e se faz perfeito nas imperfeições tão atribuladas das nossas vidas.

Da minha parte guardo ainda algumas lembranças singelas como os ingressos do borboletário que fomos em Belém, o rótulo da cerveja diferente que tomamos, suas fotos 3x4 antigas na carteira. É coisa pouca, mas pra mim eram o relicário precioso desse nosso amor.

E nesse amor que me excede e que me faz fechar os olhos de saudade, só consigo desejar que nenhum medo lhe faça perder essa coisa tão rara que você tem dentro de si: o poder de transformar vidas e construir sonhos lindos, como os que compomos desde aquele nosso primeiro quinze de novembro.

Sigamos amando!

sexta-feira, 31 de março de 2017

500 dias com ele



Há um ditado que diz que tudo o que acontece uma vez, poderá nunca mais acontecer. Mas se acontece duas vezes, certamente acontecerá uma terceira. 

Retornei à casa com fragrância amadeirada para imiscuir meu cheiro em seus lençóis, deitar na sua rede, sentir o frio do seu banheiro, olhar a quadra que eu não tinha reparado, ver suas fotos antigas com um olhar de ternura, desavisado de que seria a terceira e última vez. 

Nossos dias foram marcados pelos passos que demos nas trilhas, pelas praias que visitamos, pelos shows tresloucados em que fomos, pelos inúmeros bares da capital, pelas poucas ondas que pegamos sobre a prancha, pelas nossas compras no mercado, pelos carnavais intensos e atribulados, pelos cortes de cabelo nos sábados de manhã, pelos bons dias e boas noites diários, pelas festas, pelo silêncio que foi ficando cada vez menos desconfortável, pelos cafés de domingo nas ruas ensolaradas do bairro, pelas séries que vimos juntos, pela paciência, pelas trilhas sonoras que embalaram nossos dias e noites de calor e de frio em que seu rosto era sempre a primeira coisa que me acalentava.
Nossos dias também foram marcados pelas viagens frustradas, pelos hospitais inesperados, pelos desencontros e desequilíbrios, por segredos e por um peso que não deveriam existir, pelo tiny dancer that no longer holds me close, pelas declarações de amor que eu deveria ter lhe feito e não fiz, pelas palavras de carinho que nós dois precisávamos, pelas coisas que poderiam ser, mas que por infortúnio do destino, não foram. 

Meus dias agora serão marcados pela sua casa nova que eu não vou chegar a conhecer, pelas viagens que não faremos juntos, pelas músicas novas que vamos ouvir sem compartilhar, notícias que vamos ler sem comentar, ideias que debateremos em outras rodas de amigos, pelas lembranças das ruas que passamos e esquinas em que nos beijamos em sublimes atos de coragem.
Sua ausência será sentida nos interstícios entre uma nota musical e outra das nossas músicas favoritas, na pimenta queimando meus lábios ao comer nosso molho tailandês favorito, no sabor da coca-zero que aprendi a tomar por sua causa, nos restaurantes que amamos, no espaço não preenchido do quadro de cortiça pelas rolhas dos vinhos que não tomamos, na dedicatória do trabalho final, no snowboard que não fizemos, pelo seu perfume que eu talvez sinta na rua e me lembre do calor do seu corpo pressionando o meu num frenesi de desejo e vontade, numa foto perdida que eu possa, por descuido, ver e sentir o meu coração se apertar de saudade. 

Sua ausência é sentida agora com esse nó na garganta, no meio da reunião em que minha cabeça voa longe e vai para perto das nossas lembranças mais doces, nas lágrimas que insisto em não derramar e se acumulam no meu peito, na verborragia sentimental que meus dedos declamam, no desejo de caber no seu abraço, sentir o calor do seu beijo e ver seus olhos lindos outra vez.
Derramo-me aqui por e para você pela última vez. Abro meu coração e lhe ofereço meu amor, meu carinho e meu desejo que outros lhe olhem com os mesmos olhos de admiração e que vejam o homem extraordinário que eu sempre vi em você. 

Abro meu coração e lhe ofereço meu amor e minha admiração, as melhores partes de mim. 

Um beijo cheio do amor que coloriu meus dias,


domingo, 4 de dezembro de 2016

O inferno são os outros

Respiro meu hálito pesado de cigarro como se esse hálito não fosse obra minha. Respiro a linha tênue entre a fazer a diferença no mundo e a vontade de se entregar a uma vida apagada e apegada aos vícios. Inebrio-me de músicas altas, bebidas cada vez mais fortes, rostos sempre estranhos e vontades reprimidas que vêm e vão, te deixando sempre mais vazio do antes.

Respiro a indefinição e a vontade de mais propósito, sem contudo saber ou conseguir me mover. Respiro a ansiedade das redes sociais, de uma carreira meteórica onde não se pode falhar a direção. dos fios de barba que rareiam, de um amor não correspondido e que se afasta velozmente de mim.

Respiro a meditação nem sempre diária que eu e ele tentamos, como se sincronizando nossas respirações, de alguma forma, nós pudéssemos sincronizar também nossos corações mais uma vez.

Respiro o implacável caos diário que aprendi a amar, a fumaça dos automóveis, as toxinas dos sorrisos amarelos, a saudade da família, a impaciência com a família, a impaciência da caixa do supermercado.

Respiro a  impaciência e falta de cuidado e carinho comigo mesmo, as unhas sempre roídas (um frenesi de auto destruição?). o choro engolido que nunca vem na hora, mas sempre depois, de mansinho, perene, certeiro. Respiro a ausência de mim mesmo, a falta de paz nos valores que se mostram tão indefinidos, fluidos, mutáveis.

Respiro para não me entregar à tormenta negativa de emoções inseguras de si mesmas, que me impede de mostrar o quanto ele é especial pra mim, o quanto eu ainda tenho para dar. o quanto meu coração transborda de algo que eu também não tenho certeza se é amor, mas que se faz amor no momento em que eu ouço sua respiração, escuto sua risada e que nossos olhos, carregados de saudade, se encontram.

Respiro, respiro, respiro. "É apenas seu inferno astral", dizem os bobagentos astrológicos.

Vai passar.




segunda-feira, 4 de julho de 2016

Rêverie

Fiz da sua morada meu santuário secreto de lembranças felizes.

Nesse local, ficam os cheiros de uma madeira que evoca infância, as fotografias de anos anteriores a mim mesmo, os álbuns de família, o silêncio ininterrupto durante a noite, o calor do seu corpo me acalentando os sonhos na cama de solteiro, as bebidas alcoólicas guardadas junto com os remédios, os pratos antigos, desejosos de serem usados mais uma vez, os almoços e jantares que eram temperados com o quase amor que a gente não ousa mencionar.

Ficam pelo assoalho nossos passos aveludados pelas meias, o frio do seu banheiro, seus olhos encontrando os meus na rede trançada perto da janela, o trem pra Lisboa (que, na verdade, nunca conseguimos terminar de assistir), o sótão recheado da mais pura década perdida, o vinho derramado (para o meu desespero e de sua mãe).

(Fazemos uma pausa para o café [seria marroquino? E eis mais uma prova do seu carinho, que se recusa a me servir café comum e da minha falta de memória, cada vez mais frequente] e também para a maravilhosa descoberta, o pão francês com requeijão e figo em calda).

Ficam os brinquedos de criança, distraidamente espalhados pela casa, seus pedidos para que eu trancasse a porta sempre que saímos (imbuídos de um significado que até hoje estou tentando decifrar e que, eu tenho certeza, você nem percebeu), ficam os detalhes de uma vida de menino que ainda parecem resistir, ficam as coisas nem sempre organizadas que asseguram que naquela casa mora gente que traz a vida consigo.

Ficam as músicas novas, no mix das batidas eletrônicas com seu mal disfarçado gosto pelo pop oitentista que, durante muito tempo, me vi gostando sozinho.

Ficam suas mãos quentes e sedentas marcadas pelo meu corpo, como se bebessem do calor dos nossos beijos e das carícias desajeitadamente sinceras e que até hoje me arrepiam a espinha.

Agora me pego sorrindo, sabendo que é porque ficou uma parte de mim naqueles finais de semana, naquela rua que durante décadas foi lembrança só sua. Sorrio como quem sabe, então, que viver talvez seja desperdiçar-se em cada um desses cantos inesperados sem ter a certeza de um dia voltar.

E nesse derramar-se de si por oceanos nunca navegados, tenho certeza que deixei parte do meu coração lá, que só fez se multiplicar desde então.

Sua casa, um palco cheio de lembranças desse meu novo delírio.




quarta-feira, 2 de março de 2016

No final

No final, o amor não fracassou.
No final, rolou o aumento salarial.
No final, fiz as pazes com meu pai.
No final, seus lábios me sorriam, inebriados de vinho e paixão.
No final, emagreci as angústias, junto com os quilos.
No final, a pós-graduação aconteceu.
No final, a roda girou.

No final, percebi que não estava no final. Era só o começo.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Feliz Ano Velho

O cigarro molhava na chuva fria, incessante e impiedosa de primeiro de janeiro. Pedia aos céus que levassem todos os medos, todas as mágoas, todo o sentimento de mais um romance fracassado. O rosto de quem chovia por dentro era iluminado pelos ocasionais clarões dos relâmpagos, poderosos lembretes sobre quem de fato mandava ali. Sentia o concreto molhado abaixo dos pés descalços e pedia que a chuva o levasse de si mesmo.


Não levou.


Voltou para a capital em um frenesi de angústia, desejo de receber aquela mensagem carinhosa, de receber um dengo que não viria. O sexo fácil, farto, luxurioso em centímetros dos mais diversos formatos satisfazia e se esvazia tão logo os segundos de gozo terminavam. Já havia perdido a conta dos corpos que havia abraçado.

Voltou para a casa-que-não-era-lar e decidiu arrumar seu quarto na vã tentativa de botar ordem nos sentimentos que efervesciam dentro de si. (Por que tanta quinquilharia, meu deus?) Aliás, onde estava deus?

Fumou mais um cigarro, que o intoxicava, matava e seduzia a cada momento de solidão.

"Feliz Ano Velho", repetiu para si mesmo. A renovação, sabia, ainda tardaria a chegar.

domingo, 4 de outubro de 2015

Hiatos

O dia amanheceu cinza. Estou sozinho em uma sala de apartamento que não tem a minha cara, mas que agora chamo de lar. Não generosidade nem castigo vindo do sol, apenas o cinza.

Os cigarrinhos agora alternam entre os caretas e os bacanas, respeitando os hiatos de vazio existencial entre uma tragada e outra.

É tempo de reconstrução, mas antes é preciso demolir as antigas crenças e sentimentos. É tempo de travessia, mas não há barca. É tempo de amar, mas o coração está fechado e não sabe quando abre novamente.

É tempo de abandonar os velhos amores que embotaram antes do tempo, de guardar as fotografias, de seguir em frente.

É tempo de seguir em frente e sonhar. Com o casamento com alguém que ainda não existe, com a foto dos pequenos no porta retrato na mesa do trabalho, com tudo o que nos é negado diariamente e que temos que batalhar pra conseguir.

Tempo de sonhar com a profundidade de um lago sem fim e com o brilho nos olhos que refletem todas as estrelas do universo.

Ainda falta o amor. E mesmo com o coração distante, seguimos na busca.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Rainy Zurich

Te escrevo daqui, no auge do nosso amor que poderia ter sido, mas não foi. Das coisas que ficaram, tem aqueles dois episódios finais da serie dos anos 90 que passei a gostar por tua causa. Ficaram as idas ao shopping, as compras no supermercado, os bares da rua dos Pinheiros, a certeza do teu abraço pela manhã.

Ficaram as cervejas nos copos americanos, as mensagens cotidianas, teus dedos apertando as cordas da guitarra, o por-do-sol na sacada, os carnavais tresloucados, a promessa de um dia conhecer a Bahia de Todos os Santos pelas tuas lentes. Nem nosso picolé favorito escapou de ficar pra trás.

Sobraram espaços na cama, separaram-se as escovas que nunca estiveram, por verdadeira e espontânea vontade, juntas. Fizeram-se ausentes as mensagens das seis da tarde, perguntando pelo meu paradeiro com o misto de saudade e preocupação de ficar trancado pra fora de casa. Ficaram também as noites e dias de desejo e prazer que ganharam um tom certeiro de intimidade.

Ficaram as fotos e mensagens no celular, que tive tanta dificuldade de arquivar. Ficaram os sorrisos, as palavras sacanas, o medo que foi apaziguando e dando lugar aos abraços. Ficaram as festas juninas de bingo furado, as intimidades, a paciência. Ficaram os versos que eu iria te dedicar, mas que por um descuido nosso, congelaram no tempo que não tivemos. Ficam aqui, ainda que in memoriam:

"Maybe I'll find you, maybe I won't
Maybe I'll try to even if I don't
You are what I never knew I needed
What I never knew I needed
What I never knew I needed
We're almost there"


Acordei assustado, com o gosto salgado das lágrimas que choviam, assim como o dia lá fora, na alma. Chovia também na São Paulo que nos aproximou, como na Zurique que embalava minhas lembranças da tua presença.

Te escrevo daqui, sem arrependimentos e sem saber o que fazer com meu sentimento, mas com a certeza de que a gente segue em frente e que a roda continua a girar.

Um beijo cheio de carinho que sempre te tive,

Feu.

terça-feira, 17 de março de 2015

De onde vem a calma?

Fumava seus cigarrinhos nem um pouco caretas na sacada do apartamento bem localizado na zona oeste da cidade. O céu estava de um azul arroxeado, pálido, daqueles céus que acabaram de se recuperar de uma ressaca tempestuosa.

Tudo parecia calmo, frio e até pacífico. Mas era só o mundo exterior com seus aparentes ares de civilidade. No íntimo, cada uma daquelas janelas, fossem sacadas gourmets ou não, escondia pensamentos em fúria, tão tempestuosos quanto a chuva que acabara de cair.

Dentro dele também o mar estava em revolta. Seus sentimentos agitavam-se, entre uma tragada e outra. Depois de meses de hiato, a vida finalmente recomeçava a andar. E vinham as novas cobranças, os documentos pendentes, o novo trajeto até o trabalho, a pesquisa desesperadora de encontrar um apartamento bem localizado a um preço justo (por que tinha voltado mesmo pra essa cidade?), o medo de ser assaltado no caminho, o medo da política que se tem feito nesse país, a guinada à direita, à barbárie homofóbica nos condomínios. A vontade de se exercitar voltava. A indignação com o preço do transporte também. Voltavam os emails com tarefas que, dessa vez, deveriam fazer sentido, sim senhor.

Vinha o sentimento de impotência diante de tanta violência, fosse física, psicológica ou espiritual. Vinha o medo, agora redobrado, de perder quem conquista seu coração a cada dia. O medo também de não ser suficiente, de se arrepender depois. Mas, andando lado a lado com o medo, vinha a esperança de dias cada vez mais ensolarados e felizes, com cheiro de café gostoso logo pela manhã de domingo, ao som de uma vitrola arranhando suas mágoas nos discos.

De onde tirava a serenidade pra enfrentar os medos, as neuroses, as fobias, a família, o preconceito e o mundo? A perguntava ficava sem resposta e logo menos, o cigarro sempre se apagava.

Lá fora, os mesmos aparentes ares de civilidade que do céu, só que mais escuros. Era a noite que vinha chegando.